Minorias discriminadas na habitação em Portugal – As palhaçadas do costume

12/06/2006

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Sei que estamos que estamos quase no Natal e é tempo de circo. Mas isso não significa que eu seja obrigado a colocar uma bola vermelha no nariz, calce sapatos com meio-metro de comprimento e vá dar cambalhotas para o Marquês de Pombal, a fim de divertir a rapaziada da Redacção do Diário de Notícias. Não tenho queda para Batatinha e julgo que o António José Teixeira prefere trabalhar ali, em lugar de garantir a sobrevivência da arte circense em Portugal, como o tem feito, por exemplo (e ainda bem…) a família Cardinali. Na qualidade de leitor pagante do DN, espero que o vetusto jornal me respeite. E que não me trate como palhaço. Mas ao ver a edição de hoje, foi isso que senti. Já me tinha resignado a deixar passar em branco o assunto, quando a tarde se fechou em aguaceiro e me vi encurralado em casa. Decidi pegar num dos vários temas que me irritaram, na leitura dos matutinos, e desancar num deles. Calhou – como explico no final – a sorte ao DN.

A jornalista Céu Neves, que ali trabalha, alinhavou (acho a palavra “escrever” demasiado forte…) meia-dúzia de frases, entre expressões traduzidas de um relatório do EUMC, declarações de dirigentes de associações de imigrantes e pouco mais, que justificaram o título “Minorias discriminadas na habitação em Portugal”. Nesse pouco mais está a diferença, pelo menos na minha opinião. Nenhum cozinheiro mede o sal com que tempera a comida. E tal como o sal, tudo na vida pede uma medida certa. No caso do sal, isso pressupõe não só um paladar apurado como também golpe de vista e sensibilidade táctil. No caso do jornalismo, requer-se espírito crítico, isenção, conhecimento da realidade e trabalho. Muito trabalho.

O Observatório Europeu Contra o Racismo e Xenofobia, mais adiante designado por EUMC, justificou recentemente a sua existência fazendo o relatório anual sobre a situação, em matéria de racismo e xenofobia, na Europa. A Céu Neves concluiu que o relatório “acusa” Portugal. Como? Em quê? Simples: “A habitação é a principal fonte de discriminação dos imigrantes em Portugal”, escreve a jornalista na edição de hoje, dia 5 de Dezembro do DN. Reproduzo o primeiro parágrafo, para cabal esclarecimento da forma como o artigo introduz a questão:

“A habitação é a principal fonte de discriminação dos imigrantes em Portugal, acusa o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (EUMC). Os estrangeiros são obrigados a viver ‘em garagens, no local de trabalho ou nos bairros de lata dos grandes centros urbanos’, denuncia-se o relatório anual daquele organismo, referente a 2005. Sublinha-se, ainda, que esta situação faz emergir um mercado de arrendamento paralelo.” Bom. O que dirá exactamente o EUMC, em matéria de habitação e imigrantes?

Ponto de ordem

Chegados a este ponto, vamos fingir que somos jornalistas, em vez dos palhaços em que nos poderíamos ter transformado. Digo isto porque quem paga 85 cêntimos (170$00!) por um jornal com notícias atamancadas e não percebe nem protesta, é um verdaeiro palhaço. Nesta saga, vamos usar apenas a lógica, o bom-senso de uma pessoa que já ultrapassou a meia-idade (estou nos 50 anos…), alguma cultura geral e conhecimentos de Informática ao nível de utilizador. Vamos começar por ler – com atenção – o relatório anual do European Monitoring Center on Racism and Xenophobia, disponível aqui, em PDF. Eu sei, é grande, enorme, mas temos a Internet e a Informática do nosso lado. Basta fazer o download, abrir com o Acrobat Reader e procurar a palavra Portugal.

O resultado? Onze referências a Portugal, distribuídas por vários temas: recolha de dados sobre discriminação racial, registo de casos de discriminação no emprego (ZERO, no caso de Portugal…), condições de trabalho doméstico das mulheres imigrantes, condições de habitação impróprias, más condições de vida dos ciganos, segregação dos ciganos, zonas de detenção de ilegais com más condições, existência de organismos autónomos dedicados à recolha de dados sobre discriminação racial na Educação, taxas de sucesso escolar dos filhos de imigrantes, insucesso escolar das crianças ciganas e número de casos registados de discriminação racial ou religiosa (quatro, no total, 48 pendentes)

Sobre o problema da habitação e dos imigrantes, o relatório diz isto: “Overpriced housing in deteriorating conditions accompanied with job precariousness forces immigrants to find unlawful solutions. In Portugal, NGO’s and other grass-roots organizations report on the extreme difficulties experienced by Eastern countries immigrants in finding lodging. Immigrants were found living in garages, in their work places and have been increasing the numbers of homeless people in the major cities. (*) Additionally, evidence from the Eastern European press (mainly Russian) printed in Portugal shows that there is a parallel market which supplies mainly rooms and beds for renting. Another study based on a survey of 1600 interviews reveals low quality housing and overcrowding as the main characteristics of immigrants accommodation165”. (*) sublinhado nosso

No rodapé, assinalado com a referência nº 165, identifica-se a fonte original do estudo citado: “Fonseca, M.L., “Reunificação Familiar e Imigração em Portugal” (Family reunification and immigration on Portugal), ACIME, October 2005, Available at http://www.acime.gov.pt/docs/Estudos%20OI/Estudo_OI_15.pdf (09.03.2006)”

Perguntar não ofende

Ocorre-me UMA PRIMEIRA QUESTÃO. A jornalista do DN escreve: “Os estrangeiros são obrigados a viver ‘em garagens, no local de trabalho ou nos bairros de lata dos grandes centros urbanos’, denuncia-se no relatório anual daquele organismo, referente a 2005.” Ora, eu leio, no relatório, isto: “Há imigrantes que vivem em garagens, nos seus locais de trabalho, enquanto outros foram aumentar o número dos sem-abrigo nas principais cidades”. Ou então: “Foram encontrados imigrantes a viver em garagens, nos seus locais de trabalho e outros têm contribuído para o aumento do número dos sem-abrigo nas principais cidades”.

Eu sei, traduttore, tradittore. Mas penso que as minhas expressões em Português respeitam a letra e correspondem ao sentido das expressões em Inglês. E não vejo em lado nenhum, no relatório anual do EUCM, que os estrangeiros em Portugal são obrigados a viver “nos bairros de lata dos grandes centros urbanos”. Onde foi a jornalista Céu Neves descobrir esta referência? Porque escreve “estrangeiros”, quando o relatório diz “imigrantes?” Não domina bem o Inglês? Não sabe que imigrantes e estrangeiros são coisas substancialmente diferentes? Enganou-se? Baralhou-se? Misturou frases do relatório, das declarações recolhidas, do estudo de Maria Lucinda Fonseca? Entusiasmou-se e transmitiu algo da sua sensibilidade pessoal e/ou política ao artigo, sem sequer reparar?

Poderão argumentar que pouca diferença faz, se são estrangeiros, se são imigrantes. E eu teimo que faz diferença e muita. Estrangeiros, é uma coisa. Imigrantes, outra. Embirro também com o “são obrigados”. Transmite a ideia que não têm alternativa. Ora, lendo com atenção o trabalho de Maria Lucinda Fonseca, encontro UMA ÚNICA FRASE DE QUATRO LINHAS onde se fala de DISCRIMINAÇÃO DOS IMIGRANTES, NA PROCURA DE HABITAÇÃO: “Para além disso, os imigrantes que estão à procura de habitação adequada são muitas vezes confrontados com situações de discriminação étnica ou racial por parte de senhorios e agências que, por preconceito seu, não estão dispostos a tê-los como inquilinos”. Mais nada.

A questão da habitação dos imigrantes é analisada, no trabalho de Maria Lucinda Fonseca, “Reunificação Familiar e Imigração em Portugal”, nas páginas 75 a 80 e nas páginas 163 a 167. Mas em matéria de discriminação racial e/ou étnica no acesso à habitação, apenas aquelas quatro linhas, sem dados, sem estatísticas, sem estudos citados. E mesmo assim, com um cauteloso e vago “são muitas vezes”. Montes de vezes? Pelos vistos, nem todas as vezes. Bom. Haja esperança…

Novidade relativa

Portanto, temos um relatório que cita ONG’s e outras associações, a Imprensa portuguesa de língua russa e um trabalho de uma investigadora do Centro de Estudos Geográficos, para concluir que, em Portugal, os imigrantes têm muitas dificuldades em arranjar alojamento devido ao facto de as casas serem caras e degradadas e à precariedade dos seus empregos. Olha a novidade! Mas esta é a situação que qualquer português enfrenta, se não tiver pais ricos! Quantos jovens (e alguns menos jovens) deste País vão adiando o casamento ou prolongam a estadia na casa paterna, à espera de ter um emprego que lhes permita fazer um empréstimo e comprar casa? Ou até terem rendimentos mensais suficientes para suportar uma pesada renda? Já agora, é curioso verificar que, no trabalho de Maria Lucinda Fonseca, “Reunificação Familiar e Imigração em Portugal” (pág. 164) se refere que, dos cerca de 1.600 imigrantes inquiridos nesta investigação, residentes de Norte a Sul de Portugal:

  • 24, 9 por cento dos imigrantes dos PALOP vivem em habitação própria.
  • 47,3 por cento dos imigrantes dos PALOP vivem em casa/quartoalugado
  • 5 por cento por cento dos imigrantes dos PALOP vivem numa barraca
  • 1,3 por cento dos imigrantes da Europa de Leste vivem em habitação própria.
  • 73,1 por cento dos imigrantes da Europa de Leste vivem em casa/quartoalugado
  • 1,3 por cento por cento dos imigrantes da Europa de Leste vivem numa barraca (*)
  • 5,3 por cento dos imigrantes do Brasil vivem em habitação própria.
  • 67,8 por cento dos imigrantes do Brasil vivem em casa/quartoalugado
  • 0,4 por cento por cento dos imigrantes do Brasil vivem numa barraca

Voltando ao texto publicado no DN, vamos analisar agora a sua frase inicial: “A habitação é a principal fonte de discriminação dos imigrantes em Portugal, acusa o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (EUCM).” Depois de ter lido as ONZE REFERÊNCIAS a Portugal que o dito relatório faz, tenho que concluir que o adjectivo “principal” resulta de uma avaliação quantitativa. Ou seja, é a referência mais extensa, no relatório. Não vejo outra justificação. A dimensão do fenómeno não é avaliada nem perceptível, tal como muitos outros. O relatório da EUMC salienta mais do que uma vez, a escassez de dados disponíveis e de instituições privadas dedicadas à sua recolha e tratamento, em Portugal, nas matérias da sua competência. Refere, por duas vezes, questões ligadas ao aproveitamento escolar de minorias. Mas nenhuma delas é quantificada. São fenómenos assinalados, mas fica-se sem ideia da sua dimensão.

E nada, tanto no relatório da EUCM como no trabalho de Maria Lucinda Fonseca, autoriza a conclusão de que esta prática é a principal fonte de discriminação dos imigrantes. A única quantificação, nas tabelas finais, tem dados ridículos e algo crípticos: 4 casos, registados pela polícia, no que toca a discriminação racial e religiosa e 48 “casos pendentes”, até Setembro de 2005, “no que respeita a discriminação racial ou étnica. Dos quais, 2 dizem respeito a 2005 e nenhum deles envolve violência”.

Como diria Dupont…

Sigamos adiante. “Alcestina Tolentino, presidente da Associação Caboverdiana, diz que o problema da habitação ‘atravessa toda a vida das comunidades imigrantes, pelo menos a dos africanos’. Quer seja para alugar uma casa, quer seja para comprar. E acrescenta que não tem havido melhoras nesta área em termos de práticas não discriminatórias da população migrante.” – continua o artigo do DN. Eu diria mais, parafraseando Dupont, dos Dupont & Dupond: “O PROBLEMA DA HABITAÇÃO ATRAVESSA TODA A VIDA DE TODOS OS PORTUGUESES E RESIDENTES EM PORTUGAL. Quer seja para alugar uma casa, quer seja para comprar”. Excepto, claro aqueles que têm pais ricos…!

Mas Alcestina Tolentino refere a existência de “práticas discriminatórias da população migrante”. Que seriam os requisitos exigidos pelos bancos para conceder empréstimos, e os requisitos exigidos pela Lei, nos contratos de arrendamento. Certo. Estamos juntos nisso, Alcestina Tolentino. Eu, que sou português, também já quis comprar casa e o banco, numa sondagem informal, disse-me que não era possível, porque eu tinha um contrato a prazo de três meses. Já lá vão mais de vinte anos. Mas é um critério que continua a ser aplicado. A todos, portugueses, imigrantes e estrangeiros. Não vejo quais sejam as outras exigências dos bancos feitas aos imigrantes e que sejam diferentes das aplicadas aos portugueses. Nem a Alcestina entrou em detalhes, nem a Céu Neves lhe perguntou.

Mas acho estranho que se escreva, de forma taxativa, “os imigrantes têm empregos precários”. Todos? Muitos? Poucos? A maioria? Onde está o rigor jornalístico? É que, pelo menos 32,1 % dos imigrantes questionados no trabalho de investigação que é uma das bases do relatório do EUCM que acusa Portugal de discriminar os imigrantes em matéria de acesso à habitação, dizem viver em casa própria. Portanto, ultrapassaram aquilo que a jornalista Céu Neves identifica como “obstáculos do ponto de vista dos requisitos exigidos pelas entidades bancárias para concederem empréstimo”, tendo adquirido casa própria.

Ou seja, não fazem parte dos estrangeiros que “são obrigados a viver ‘em garagens, no local de trabalho ou nos bairros de lata dos grandes centros urbanos”, como denuncia o relatório da EUCM, na perspectiva da jornalista Céu Neves. A questão do fiador de um contrato de arrendamento ter que ser português é mais complicada. Diz Alcestina Tolentino que isso “é praticamente impossível para estas comunidades que vivem em bairros de imigrantes”. E eu vou ao trabalho de Maria Lucinda Fonseca, “Reunificação Familiar e Imigração em Portugal”, e descubro que 56, 8 % dos imigrantes questionados dizem viver em quarto/casa alugada. É certo que, no caso dos imigrantes provenientes dos PALOP’s, esse número baixa para 47, 3 % e sobe para 73,1 % quando se trata de imigrantes da Europa de Leste.

Mas como é que o “praticamente impossível” de Alcestina Tolentino, no texto do DN, que pressupõe uma percentagem, quando muito, de 1%, se transforma em mais de metade, no trabalho de Maria Lucinda Fonseca? Então é “praticamente impossível” um imigrante conseguir um fiador português para um contrato de arrendamento para arrendar um quarto ou uma casa e mais de metade dos imigrantes vive em quarto/casa alugada? ALGUMA DESTAS DUAS CONSTATAÇÕES É FALSA!

Alcestina Tolentino fala também de discriminação racial – algo que não é assumido, mas “é uma barreira para a juventude que tem que enfrentar o subaluguer de quartos”. Pois é. Deve ser uma experiência desagradável, passar pelo que passou Paulo Macedo, estudante cabo-verdiano: “Em segundo lugar, os imigrantes sentem na pele a discriminação racial. ‘Vemos o anúncio no jornal de um quarto ou para dividir uma casa. Telefonamos, dizem que está disponível e explicam-nos quais são as condições de arrendamento. Marcamos uma visita e quando nos vêem [um negro] dizem que, afinal, o quarto já está alugado”. Por isso é que há leis que punem este tipo de atitude. Basta que as pessoas se queixem.

Acontece que, se as pessoas não se queixarem, ninguém adivinha que foi violada a lei. E a escassez de queixas talvez signifique que os casos, na realidade são poucos. Ou que são tão dúbios os seus fundamentos que nem os próprios ofendidos apresentam queixa. Ou que a desconfiança no funcionamento das instituições policiais, de Justiça e do ACIME, nos caso dos imigrantes, ronda os 100 %.

Conclusões

Façamos um segundo ponto da situação. Chegámos até aqui fingindo que somos jornalistas, usando apenas a lógica, o bom-senso de uma pessoa que já ultrapassou a meia-idade, alguma cultura geral e conhecimentos de Informática ao nível de utilizador. Tentámos investigar, com a amável colaboração da Internet, o fundamento das acusações feitas a Portugal no relatório do Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (EUCM), citadas num artigo do DN, da autoria da jornalista Céu Neves. De acordo com esse artigo, a principal discriminação que afecta os imigrantes em Portugal é a praticada no acesso à habitação.

E a que conclusões já chegámos nós?

  • Há sérias discrepâncias na tradução do texto do relatório, na notícia do DN. Referem-se imigrantes e estrangeiros, como se fosse a mesma coisa. Fala-se em estrangeiros obrigados a viver “nos bairros de lata dos grandes centros urbanos”, e esta referência não consta no texto do relatório;
  • Uma das fontes do relatório, o estudo de Maria Lucinda Fonseca, “Reunificação Familiar e Imigração em Portugal”, apenas refere directamente a questão da discriminação racial no acesso à habitação em quatro linhas, das suas quase 300 páginas;
  • Nessas linhas, refere-se apenas a existência do fenómeno, sem quaisquer dados estatísticos ou avaliação concreta da dimensão e/ou frequência do fenómeno;
  • As outras duas fontes do relatório da EUMC apontam apenas para dificuldades no acesso à habitação relacionadas com o carácter precário dos contratos de trabalho dos imigrantes e com o preço excessivo das habitações, e limitam-se a citar associações e jornais de imigrantes da Europa do Leste;
  • As declarações de Alcestina Tolentino, da Associação Caboverdiana, alegadamente confirmando as acusações de discriminação racial, são totalmente contraditórias com os dados estatísticos do trabalho de Maria Lucinda Fonseca, “Reunificação Familiar e Imigração em Portugal” (uma das três fontes citadas pelo relatório do EUCM);
  • Nada autoriza, tanto no relatório do EUCM como no trabalho de Maria Lucinda Fonseca, a concluir que a principal fonte de discriminação reside no acesso à habitação. Esta é, apenas, a referência mais extensa no relatório da EUCM;
  • Identificam-se, no texto do DN, três práticas concretas que seriam “discriminatórias” para com os imigrantes. Duas delas constituem prática corrente e normal, aplicada a qualquer vulgar cidadão: a necessidade de um contrato de trabalho fixo para contrair um empréstimo bancário e a necessidade de um fiador português para arrendar um quarto ou casa;
  • Quanto à terceira prática – discriminação racial – ela é referenciada e é descrita uma situação concreta (no texto do DN), mas nunca é quantificada nem fundamentada em dados estatísticos, tanto no relatório da EUMC como no trabalho de Maria Lucinda Fonseca;
  • Saliente-se ainda que, nas “Notas conclusivas e recomendações” do trabalho de Maria Lucinda Fonseca, que são inúmeras e em diversas áreas e questões, não há qualquer referência a essa alegada “principal fonte de discriminação dos imigrantes em Portugal”, o acesso dos imigrantes à habitação;

Fagulha fatal

No entanto, uma notícia que integra e incorpora estas incorrecções, estas falhas, estas generalizações apressadas e estas contradições flagrantes espalha-se como fogo na pradaria! Manitú nos valha, diria o sábio Humpa-Pá, companheiro de Escalpe-Duplo, mais conhecido por Humberto-da-Massa-Folhada. E vejam até onde chegaram as chamas, em menos de 24 horas, limitando o rescaldo ao GoogleNews Portugal:

Quatro considerações finais:

1ª – O texto do DN fala ainda numa tal Associação Solidariedade Imigrante, que criou uma tal “Plataforma artigo 65, Habitação para tod@s”. Lembro-me, de facto, de ver na televisão um grupo de rapariguinhas que tentou parar a demolição das barracas na Azinhaga dos Besouros. O seu porta-voz, Timóteo Macedo, diz ao DN que estão a preparar uma petição ao Parlamento para que a lei seja alterada e “promova medidas que contemplem as pessoas mais pobres”. Como? Então o problema não atinge só os imigrantes? Não se trata aqui de alterar práticas discriminatórias contra os imigrantes, da responsabilidade da banca privada e resultantes da lei dos contratos de arrendamento, bem como legislar e aplicar com rigor a lei que proíbe discriminações raciais, como resulta da leitura do texto do DN? Bem, mais uma falha a acrescentar às outras, se o Timóteo Macedo estiver correcto. Se estiver errado, mais uma falha do texto do DN. Porque há aqui uma contradição, que eu detecto, a posteriori, mas que a jornalista deixa passar sem questionar o seu autor.

2ª – Que fazem tanto generais no quartel do DN – entre director, seus adjuntos, editor executivo, seus adjunto, editores e seus adjuntos, contei 24 – quando coisas como esta passam e ainda vão até à primeira página?

3ª Numa altura em que assistimos a um choradinho público da maioria dos jornalistas, que querem manter o privilégio de ter uma Caixa de Previdência só para eles, invocando as características únicas e a responsabilidade especial da sua profissão, ler os jornais e ouvir os noticiário, até faz dó. Assassina-se a língua, estraçalha-se a gramática, esventra-se a concordância entre sujeito e predicado (vá de retro, t’arrenego TLBS!!) ignora-se a História, estupra-se a mais básica cultura geral. Quanto a regras básicas do jornalismo (irmãs gémeas do que eu chamo bom-senso…) como o rigor nos factos e a isenção na avaliação da sua importância e consequências, essas são torturadas, em cada segundo e em cada linha, com a selvajaria de um sacerdote de Baal, a frieza cirúrgica de um Dr.Mengele e a crueldade de um Inquisidor-Geral. O despautério que escorre diariamente das páginas impressas e que jorra das televisões merece que esta geração de jornalistas seja devidamente assinalada, nos anais da profissão, para (mau) exemplo dos vindouros. São dignos de ombrear com a “Geração Rasca” e a mais recente “Geração Queremos Tipo Coisas Fixes”, tão singelamente retratada na primeira página do DN que abre este post.

4ª – Este exercício de rigor a que me dediquei, por culpa de um fim de tarde tempestuoso num Inverno incipiente, calhou acertar no DN por razões opostas àquelas que levaram Eça de Queirós a desancar no Bei de Tunes. No caso do autor de Os Mais, foi a falta de tema para a sua crónica regular, num jornal da época. No meu caso, foi a dificuldade em seleccionar um exemplo, de entre tantos e tão variados que zumbem pela nossa Imprensa, autênticas varejeiras em torno de carne putrefacta. Acabei por tirar à sorte, no baralho dos jornais, de olhos fechados. Nada de pessoal, portanto. Um feliz Natal, para o DN e para todos os que lá trabalham. E se quiserem ver palhaços, vão ao circo.

Máquina Zero

Ps – Interessantíssimo, o trabalho “Reunificação Familiar e Imigração em Portugal”, da investigadora Maria Lucinda Fonseca, doutorada em Geografia Humana. A ele voltarei, noutras tardes chuvosas que se prolonguem pela noite e convidem a cobertor, aquecedor e computador…


Textos seleccionados (I)

10/11/2006

Comemorando a passagem desta Tapobrana que foram as 50 mil visitas, resolvi colocar num só índice alguns dos textos que mais me agradam e que, ao mesmo tempo, abordam um conjunto suficiente de temas para permitir uma ideia muito precisa sobre o conteúdo deste blogue.


Recado para Paulo João Santos, um jornalista com jeito para pé-de-microfone

09/25/2006

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Meu caro Paulo João Santos:

Li a entrevista que você fez ao Sheik David Munir, publicada na revista do Correio da Manhã de Domingo, dia 24 de Setembro. Sinceramente, você parece-me ter mais jeito para pé-de-microfone do que para jornalista. Faz perguntas de circunstância e engole todas as patacoadas que o Sheik Munir lhe enfia pela garganta abaixo, sem contrapor praticamente nada. Eu acho que você prestou um mau trabalho ao seu jornal e aos leitores, limitando-se a dar “tempo de antena” e páginas de publicidade gratuita a um hábil manipulador da verdade, como é o Sheik Munir.

Se tivesse lido alguma coisa, antes da entrevista, poderia contrapor argumentos de peso a esse lobo com pele de cordeiro que é o líder espiritual de parte dos muçulmanos portugueses. Por exemplo, quando o seráfico Munir alega estar de acordo com a frase “Não se deve recorrer à violência para impôr a religião”, você poderia ter-lhe lembrado algumas passagens do Corão, nomeadamente a sura 2 (190-193) :

  • “Combatei, pela causa de Deus, aqueles que vos combatem; porém, não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os agressores./ Matai-os onde quer se os encontreis e expulsai-os de onde vos expulsaram, porque a perseguição é mais grave do que o homicídio. Não os combatais nas cercanias da Mesquita Sagrada, a menos que vos ataquem. Mas, se ali vos combaterem, matai-os. Tal será o castigo dos incrédulos. /Porém, se desistirem, sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo. /E combatei-os até terminar a perseguição e prevalecer a religião de Deus. Porém, se desistirem, não haverá mais hostilidades, senão contra os iníquos.”

Ou a sura 9 (123):

  • Ó fiéis, combatei os vossos vizinhos incrédulos para que sintam severidade em vós; e sabei que Deus está com os tementes.”

Se você fosse mais jornalista e menos pé-de-microfone, poderia ter pesquisado alguma coisa na Internet, preparando-se para aquilo que é o discurso “chapa cinco” da religião da paz e do amor mas que defende a lapidação. A dada altura, o seráfico Sheik Munir avança com uma das suas aleivosias preferidas: “O Islão considera judeus e cristãos como irmãos”. Você poderia ter citado a sura 5(51):

  • “Ó fiéis, não tomeis por confidentes os judeus nem os cristãos; que sejam confidentes entre si. Porém, quem dentre vós os tomar por confidentes, certamente será um deles; e Deus não encaminha os iníquos.”

Ou então a sura 4(47-48):

  • (“Ó adeptos do Livro, crede no que vos revelamos, coisa que bem corrobora o que tendes, antes que desfiguremos os rosto de alguns, ou que os amaldiçoemos, tal como amaldiçoamos os profanadores do sábado, para que a sentença de Deus seja executada!” /Deus jamais perdoará a quem Lhe atribuir parceiros; porém, fora disso, perdoa a quem Lhe apraz. Quem atribuir parceiros a Deus cometerá um pecado ignominioso“)

Mas não. Você esqueceu-se da principal função do jornalista, que é ser advogado do Diabo e limitou-se a fazer papel de anjinho.

Mais. O Sheik Munir, numa esplêndida manifestação de taqiyya, choraminga, ecuménico: “Há que respeitar os outros. Se Deus não quis que todos tivessem uma só religião, quem sou eu para o querer?”. Você poderia ter questionado o bom do Sheik sobre o conteúdo do seu livro sagrado, o Corão, que ele tanto cita parcialmente, confiado na ignorância de jornalistas como você. O que o Sheik Munir diz não é compatível com a sura 9(29-30):

  • “Combatei aqueles que não crêem em Deus e no Dia do Juízo Final, nem abstêm do que Deus e Seu Mensageiro proibiram, e nem professam a verdadeira religião daqueles que receberam o Livro, até que, submissos, paguem o Jizya. /Os judeus dizem: Ezra é filho de Deus; os cristãos dizem: O Messias é filho de Deus. Tais são as palavras de suas bocas; repetem, com isso, as de seus antepassados incrédulos. Que Deus os combata! Como se desviam!”)

Nem com a sura 66(9):

  • “Ó Profeta, combate com denodo os incrédulos e os hipócritas, e sê inflexível para com eles, pois a morada deles será o inferno.”

E já agora, você poderia ter lembrado ao Sheik Munir que o Corão ordena aos muçulmanos que persigam da forma mais implacável os ateus e os animistas, como refere a sura 9(4-5):

  • “Cumpri o ajuste com os idólatras, com quem tenhais um tratado, e que não vos tenham atraiçoado e nem tenham secundado ninguém contra vós; cumpri o tratado até à sua expiração. Sabei que Deus estima os tementes. / Mas quanto os meses sagrados houverem transcorrido, matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho. Sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo.

Esta última sura, meu caro Paulo João Santos, é uma contradição absoluta com outro versículo, sempre na boca de gente como o Sheik Munir (“Não há compulsão na religião”). Excepto para os idólatras, ao que parece. Resumindo o meu recado: você, de facto, foi mais pé-de-microfone do que jornalista. Não referiu (por simples ignorância?) nada que pudesse contrariar as falaciosas afirmações do Sheik Munir. Enquanto a maioria dos jornalistas continuar a ser como você, meu caro Paulo João Santos, há gente que dormirá tranquila. Eu não. E julgo que muitos outros portugueses também não.

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* Nota: Perante a inexistência de uma versão completa em língua portuguesa aprovada pelas autoridades religiosas islâmicas de Portugal, as citações do Corão aqui referidas são retiradas do site do Centro Cultural Beneficiente Islâmico de Foz do Iguaçú, onde está disponível uma versão em Português, utilizada no Brasil.


Quem te avisa teu inimigo é

09/19/2006

Numa leitura transversal de alguma Imprensa e diversos sites, deparei com várias referências ao discurso do Papa em Ratisbona – um nome a fixar, e que marcará uma viragem na atitude do Ocidente para com a religião do “Mata!Mata“. Começo pelo “intelectual” Yossuf Adamgy, editor da revista Al-Furqán, defensor da lapidação de mulheres adúlteras, como se esclarece n’ A Origem das Espécies. Adamgy é o típico muçulmano especialista da taqiyya: distorce, altera, ajeita, corta, esquece, retira do contexto e retoca pormenores históricos, citações bíblicas, excertos do Corão e frases de gente célebre para provar o que é impossível de provar, numa fúria anti-semita e num delírio anti-ocidental muito próprio de muçulmanos, moderados ou não.

Num dos fóruns da Comunidade Islâmica da Web, o editor português do neo-nazi David Duke ataca o Papa Bento XVI, num texto onde revela todas as técnicas de burla intelectual de baixo nível em que se especializou, à mistura com a sua proverbial ignorância, pobreza de espírito e fanatismo. Para provar que ““o Islão Não Foi Difundido Pela Espada”, o intelectual Adamgy alega, entre outros dislates, o seguinte: “Em Portugal, onde os Muçulmanos governaram durante 700 anos com tolerância religiosa para todos, são eles próprios, hoje, uma minoria. No entanto, actualmente, quase todos os meses há conversões ao Islão, na Mesquita de Lisboa, sem qualquer espada.”

Acontece que o intelectual Adamgy não explica como é que os muçulmanos cá chegaram e ficaram a governar o que hoje é Portugal, durante 700 anos. Conquistaram, pela espada, com exércitos e sangue derramado, este território que era habitado por outros povos. Felizmente acabaram por ser expulsos. Será que esta omissão e distorção é apenas fruto da ingorância de um indivíduo que parece bastante simplório, a avaliar pela triste figura que fez recentemente, na televisão? Ou estaremos perante algo mais calculado e, como tal, sinistro em matéria de intenções?

No Público, o panfleto de Esquerda melhor disfarçado de jornal, a nossa já conhecida Faranaz Keshavjee parece ter camarote cativo. Em Agosto passado, esta alegada e auto-intitulada “portuguesíssima de gema“, muçulmana, fazia a defesa da inocência do Islão, no terrorismo muçulmano (Bin Laden deve ser budista, claro…) considerando o racismo dos europeus como a razão criadora desse terrorismo. Colocava também condições para apoiar o combate ao “terrorismo praticado por muçulmanos” (sic), dizendo ser contra “TODAS as formas de terror e de violência, incluindo (…) aquelas que sucedem todos os dias no Iraque pelas próprias ‘forças da paz’ (…) em favor da imposição de um modelo de democracia importado por realidades onde a pena de morte e outras aberrações sociais e políticas prevalecem, como é o caso dos EUA.”

Ontem, dia 18 de Setembro, Faranaz Keshavjee enche uma página de raciocínios tortuosos, começando por elogiar o discurso de Bento XVI (“uma boa lição de teologia”). Lamenta que as reacções do seus irmãos muçulmanos “estejam a tocar o plano da irracionalidade”. Mas a seguir acusa o Papa de ser um ignorante, quanto ao Islão, de ter falado dos outros, ignorando “os erros da sua própria religião” e salienta que “não foi Jesus que criou o mal que paira hoje, por mãos dos ocidentais cristãos europeus e americanos, entre Israelitas e Palestinianos”. Quase no final, revela-se no seu mais íntimo pensar:”É preciso ter cuidado com aquilo que dizemos”. Fica aqui o aviso. O discurso dos não-muçulmanos tem que ser auto-censurado, à luz dos critérios dos muçulmanos, para ser admissível. A nossa liberdade termina onde começa o primitivismo islamita.

Mas no Público de hoje tropecei com mais referências ao discurso de Ratisbona. Teresa de Sousa embrulha-se pela Europa, mais a Turquia e o Papa, desanca no Sumo Pontífice e, depois de uma série de cambalhotas e flique-flaques – ginástica pouco própria para a sua idade – desagua numa conclusão patética: “A Turquia tem lugar na Europa porque o projecto de integração europeia assenta na comunhão dos mesmos valores políticos da democracia, na mesma crença na universalidade dos direitos humanos, na liberdade e na tolerância. Independentemente da religião, ou da etnia ou da nacionalidade”.

Perco o fôlego, de espanto, perante esta descrição de uma comunhão de identidades entre a Turquia e a Europa que nem os próprios turcos reconhecem. Com argumentos deste calibre, Teresa de Sousa conseguirá justificar a adesão da Papua Nova-Guiné à União Europeia e a integração do Burkina-Faso na Federação Russa.

Na coluna ao lado, José Vítor Malheiros, um “dhimmista” típico, chapado, desenhado ao pormenor, com direito a diploma, brasão e carimbo, fala de um “papa calculistamente incendiário”, diz que Bento XVI perdeu autoridade, dá a pincelada do costume para aplacar a consciência (“a reacção de uma parte do mundo muçulmano (…) não é de forma algum admissível”) e faz a espargata final: “É importante ter em conta, por outro lado, que, em nome da firmeza, não se pode pôr de lado a acção política e deixar de tentar compreender o fenómeno do terrorismo para erradicar as suas causas e para dissolver a base de recrutamento dos terroristas”. Só lhe falta babar-se para ser confundido com o pobre do Mário Soares e os seus patéticos apelos à negociação com a Al-Qaeda.

Mas é curioso. Esta gentalha, sempre disposta a compreender assassinos do mais baixo calibre e a contribuir para erradicar pacificamente e cobardemente as causas do seu extremismo – desde que sejam muçulmanos – recusa-se a mostrar a mesma tolerância em relação aos nazis, fascistas e skinheads. Não percebo porquê. Será que o José Vitor Malheiros não entende que não se pode pôr de lado a acção política e deixar de tentar compreender o fenómeno dos skinheads, para erradicar as suas causas e para dissolver a base de recrutamento dos extremistas?

No meio de tudo isto, o presidente iraniano revelou-se o mais inteligente de todos os muçulmanos, ao afirmar tranquilamente que não via nada de especial no discurso do Papa. A generalidade dos seguidores de Alá mostrou aquilo que são: fanáticos que pretendem impôr as suas regras ao resto do mundo e que, à mínima discordância, desatam aos gritos de “Mata!Mata!”, a espuma a escorrer dos lábios. Com o apoio de gente como a Teresa de Sousa, o José Vítor Malheiros e a Faranaz Keshavjee – uma raça nascida para agradar a quem os ameaça, atacar a quem os protege e envergonhar a quem os tem como compatriotas.